A esperança da vida eterna “Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Cor 15, 19).

O mês de novembro é marcado pela Comemoração de todos os fiéis falecidos e também pela Festa de Todos os Santos. Ambas as celebrações nos remetem à esperança da vida eterna, a vida plena em comunhão com a Santíssima Trindade na pátria celeste. E diante da grande pluralidade de concepções religiosas hoje presente em nosso meio é importante que o cristão católico tenha clareza acerca da doutrina a respeito de nossa esperança e possa também transmiti-la aos demais (1Pd 3, 15-16). Nós, cristãos católicos, professamos no Credo que recitamos todos os domingos que Jesus Cristo está sentado à direita do Pai, “donde há de vir a julgar os vivos e os mortos”; e também: “Creio na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém!”. Nestes trechos do Credo nós estamos professando nossa fé na segunda vinda de Jesus, na ressurreição dos mortos e na vida eterna. O Catecismo da Igreja Católica trata destes temas em muitos de seus números (668-679; 988-1014; 1038-1050). Segundo o ensinamento da Igreja – baseado na Palavra de Deus e na Tradição da Igreja – os eventos relativos à nossa esperança na vida eterna acontecem na seguinte ordem: 1) concepção, nascimento, vida terrena; 2) morte física e imediato juízo particular diante de Cristo; 3) purgatório ou céu (visão beatífica) ou inferno (ausência de Deus); 4) Parusia do Senhor, antecedida por um período de provação derradeira da Igreja; 5) Ressurreição de todos os mortos; 6) Juízo universal (ou final); 7) Reino definitivo de Deus e vida eterna – novos céus e nova terra.
A Ressurreição: nós cristãos não cremos na reencarnação. Esta crença, compartilhada por algumas religiões e com matizes diferentes entre elas, prega a possibilidade do retorno da alma ou espírito a este mundo em outro corpo, humano ou não (isto difere entre algumas religiões ou “filosofias”). Nós cremos sim na RESSURREIÇÃO, de acordo com as verdades reveladas por Deus na Palavra e na Sagrada Tradição (basta ler Dt 18,9-14 para verificar a proibição da invocação dos mortos, bem como outras tantas práticas relacionadas – ver: 1Cr 10,13-14; Lc 19,26; Ex 22,18; Jr 29,8; Os 4,12; At 8, 9-11; 13, 4-12; 16,16-18). A Bíblia diz categoricamente que ao homem está determinado morrer uma única vez (Hb 9,27), portanto a reencarnação não existe. De fato, Jesus disse ao ladrão arrependido que naquele mesmo dia estaria com Ele no paraíso (Lc 23,43). Crer que é necessário reencarnar-se várias vezes para alcançar a luz (a salvação) é o mesmo que afirmar que Cristo morreu a toa na cruz, entretanto “o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7 e veja-se também: 1Cor 15,12-19; Jo 5,28-29; Ap 5,12-13). O Deus misericordioso anunciado por Jesus Cristo é aquele que perdoa e salva. Todos, após esta vida, compareceremos perante o tribunal de Cristo (2Cor 5,10), e não voltaremos em outro corpo. Aguardaremos em Deus o dia da ressurreição final, quando participaremos, num corpo novo e glorioso, da plenitude do Reino de Deus.
O Purgatório: Após a morte, estaremos diante de Cristo para o juízo particular. O purgatório é um estado em que a pessoa, que partiu na amizade com Deus, se purifica de seus pecados para poder contemplá-Lo definitivamente (1Jo 3,2). O fato é que todo homem é pecador embora busque viver a santidade (Ecl 7,20; 19,19; 1Jo 1,8; Rm 7,19-20) e só o ser humano totalmente purificado pode comparecer diante de Deus (Sl 15,1-3; 24,3-4; Is 35,8; Mt 5,8; 22,11-14; Lc 12,59; Hb 12,14). Mesmo perdoados por Cristo, nós devemos, por uma questão de justiça, reparar as consequências de nossas faltas. E nem sempre conseguimos isto. Além disso, é vontade de Cristo que trabalhemos pela nossa salvação (Fp 2,12 e 1Cor 9,27), e neste trabalho, porém, nem sempre somos tão bons; Deus nos concede então, em sua misericórdia, esta etapa purificatória para alcançarmos a salvação plena. Para compreendermos um pouco melhor a noção de purgatório, que não é um lugar, mas um estado da alma, vale a pena recordar o que disse o Papa Bento XVI na Carta encíclica Spe Salvi sobre a esperança cristã, n. 47:
“Alguns teólogos recentes são de parecer que o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador. O encontro com Ele é o ato decisivo do Juízo. Ante o seu olhar, funde-se toda a falsidade. É o encontro com Ele que, queimando-nos, nos transforma e liberta para nos tornar verdadeiramente nós mesmos. As coisas edificadas durante a vida podem então revelar-se palha seca, pura fanfarronice e desmoronar-se. Porém, na dor deste encontro, em que o impuro e o nocivo do nosso ser se tornam evidentes, está a salvação. O seu olhar, o toque do seu coração cura-nos através de uma transformação certamente dolorosa « como pelo fogo ». Contudo, é uma dor feliz, em que o poder santo do seu amor nos penetra como chama, consentindo-nos no final sermos totalmente nós mesmos e, por isso mesmo totalmente de Deus. Deste modo, torna-se evidente também a compenetração entre justiça e graça: o nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa sujeira não nos mancha para sempre, se ao menos continuamos inclinados para Cristo, para a verdade e para o amor. No fim de contas, esta sujeira já foi queimada na Paixão de Cristo. No momento do Juízo, experimentamos e acolhemos este prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor torna-se a nossa salvação e a nossa alegria. É claro que a « duração » deste queimar que transforma não a podemos calcular com as medidas de cronometragem deste mundo. O « momento » transformador deste encontro escapa à cronometragem terrena: é tempo do coração, tempo da « passagem » à comunhão com Deus no Corpo de Cristo. O Juízo de Deus é esperança quer porque é justiça, quer porque é graça. Se fosse somente graça que torna irrelevante tudo o que é terreno, Deus ficar-nos-ia devedor da resposta à pergunta acerca da justiça – pergunta que se nos apresenta decisiva diante da história e do mesmo Deus. E, se fosse pura justiça, o Juízo em definitivo poderia ser para todos nós só motivo de temor. A encarnação de Deus em Cristo uniu de tal modo um à outra, o juízo à graça, que a justiça ficou estabelecida com firmeza: todos nós cuidamos da nossa salvação « com temor e tremor » (Fil 2,12). Apesar de tudo, a graça permite-nos a todos nós esperar e caminhar cheios de confiança ao encontro do Juiz que conhecemos como nosso « advogado », parakletos (cf. 1 Jo 2,1)”.
A oração pelos falecidos: O livro de 2Mac 12,42-46 alude a uma possibilidade de purificação póstuma quando louva o gesto de Judas Macabeu oferecendo um sacrifício reparador em favor dos mortos em batalha. Em 1Pd 3,19-20 se fala de Cristo que prega aos espíritos que estavam em prisão, como em 1Pd 4,6 se diz que o Evangelho foi pregado também aos mortos. Outro texto muito interessante é o de Mt 12,32: “Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado; mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” – daí se deduz a possibilidade do perdão póstumo de alguns pecados. Paulo em 1Cor 3,10-16 fala de um fogo que é uma alusão ao estágio do purgatório, idéia a que alude também o livro da Sabedoria 3, 1-6. E quando em 2Tm 1,16-18 Paulo fala de Onesíforo pedindo misericórdia para ele no dia do juízo, possivelmente este estava já morto (cf. 2Tm 4,19). A Igreja sempre recordou-se de seus fiéis falecidos e por eles implorou a misericórdia de Deus oferecendo o sacrifício da Missa em sufrágio de suas almas: trata-se de um gesto de amor para com nossos irmãos que já partiram e de solidariedade motivada pela fé na comunhão dos santos.
A Parusia ou segunda vinda de Cristo: o Catecismo da Igreja Católica, além do que já foi exposto acima no 1º parágrafo, afirma que: 1) Jesus, que voltará uma segunda vez, já reina por meio da Igreja e é Senhor dos mortos e dos vivos (Rm 14,9); possui a soberania absoluta (Ef 1,20-22); é o Senhor do Cosmo e da História (Ef 4,10; 1Cor 15, 24.27-28). Nele tudo é recapitulado (Ef 1,10) (CIC 668); 2) O Reino de Cristo está misteriosamente presente na Igreja, a qual é germe e início do mesmo (CIC 669); 3) Já estamos na “última hora” ou “últimos tempos” (1Jo 2,18; 1Pd 4,7) (CIC 670); 4) A Igreja condena o milenarismo: ver CIC 676-677.
Muitos perguntam: “Quando se dará a Parusia?”. Em Mt 24,3 os discípulos fizeram esta pergunta a Jesus e a resposta: “Quanto àquele dia e hora, porém, ninguém tem conhecimento, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai” (Mt 24,36). O mais importante é a vigilância (cf. Mt 24, 42-51). A Bíblia fala de sinais que antecederão o juízo final e a Parusia, os quais devem ser lidos à luz de seu contexto, à luz da Tradição e segundo o Magistério da Igreja, evitando todo e qualquer fundamentalismo. São eles: o Evangelho pregado a todos os povos (Mt 24,14; Mc 13,10); a conversão dos judeus (Rm 11, 25-29); o aparecimento do Anticristo que causará uma grande apostasia (2Ts 2,1-12; 1Jo 4,1-5; 1Jo 2,18-22); as duas bestas (Ap 13,1-18 – a maioria dos exegetas identificam a primeira besta com o Império Romano). Além destes sinais ela fala ainda de outros na natureza e no mundo político-econômico1: fome, guerras, terremotos, pestes, maldades e esfriamento do amor (Mt 24, 7.12; Lc 21,11), sinais estes que pertencem também aos nossos dias que já são últimos (Hb 1,1). Estes sinais descritos na Bíblia não podem ser manipulados para se provar que o fim é iminente de modo a convencer as pessoas a desviarem-se da verdade pregada pela Igreja e embarcarem em doutrinas errôneas e falsas interpretações da Palavra. Aqui vale recordar uma frase de Santo Efrém (360-373), citada por E. Cunha: “Cada época traz em si os sinais preditos por Cristo, a fim de que os homens pensem que a sua época seja aquela da vinda do Senhor e estejam prontos. Mas a verdadeira data de sua chegada, Cristo não a quis revelar”.
Para refletir:
1) Em que medida nossa fé na vida eterna e no Reino definitivo nos tem animado a construirmos o Reino aqui e a não desanimarmos na prática do bem?
2) O significa vigiar (Mt 24, 42-51)
Pe. Edilson de Souza Silva
Pároco.