Tempo do advento e Natal “Uma luz surgiu, caminho novo Porta se abriu, alegria para o povo!”

Uma luz surgiu, “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,11). Esta é a tônica do Advento: a esperança na luz que vence a treva, a espera jubilosa do Salvador.
A esperança escatológica, longe de nos afastar da realidade, faz-nos ver a necessidade do “mundo novo”, da libertação do pecado e da morte que gera a injustiça. A Boa Nova é que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Montando a sua tenda em nosso meio, tomando parte em nossas dores e alegrias, Ele veio nos ensinar o caminho e dar-nos vida nova e nova esperança.
“Levantai a vossa cabeça e olhai, pois a vossa redenção se aproxima!” (Lc 21,28).
No Natal festejamos a Deus presente em nosso meio através de seu Filho Jesus, que veio em primeiro lugar para os pobres (Lc 2,8-12). Em Jesus, Deus demonstra seu amor por nós e deseja-nos a vida.
“Porta se abriu, alegria para o povo!”
O Mistério da Encarnação nos revela o grande amor de Deus para com seu povo e é neste mistério que procuramos mergulhar ao falar sobre este tempo tão importante: o Advento e Natal.
ADVENTO E NATAL:
Contexto histórico do Advento:
Encontramos os primeiros indícios de um tempo de preparação para o Natal, não na liturgia romana, mas na Espanha e, sobretudo, na Gália.
Nos meados do século V, na cidade de Ravena, inicia-se o tempo do advento, cuja preocupação era o nascimento de Cristo. Em Roma só se observam os primeiros indícios de uma liturgia do advento em meados do século VI, e isto no contexto das têmporas de inverno, cujas missas contêm ideias ligadas ao advento. Uma solução que aponta o caminho certo dá-se com Gregório Magno (590-640), cujo sacramentário, conservado em Roma, traz quatro missas dominicais e três das têmporas, com características do tempo do advento.
Seria desonesto falar do advento sem levar em consideração a contribuição dos monges irlandeses, dentre estes se destaca Columbano, o jovem (530-615). Tais monges davam ênfase na figura do Senhor que viria julgar os homens e na penitência como preparação necessária para o juízo final, e nas pregações consideravam o Advento como verdadeiro tempo de penitência. Alguma coisa deste caráter penitencial passou da Gália para a liturgia romana do advento no século XII como, por exemplo, a omissão do Glória e o uso de paramentos roxos. Contudo, Roma nunca abandonou o Aleluia jubiloso, demonstrando assim que na sua liturgia jamais considerou o Advento como tempo de penitência propriamente dito (o Código de Direito Canônico de 1917/8 não se obriga mais a jejuar no Advento).
No que concerne à duração cronológica do Advento, a proposta romana de quatro domingos só se impôs depois de várias hesitações, embora o rei Pepino e seu filho Carlos Magno a tenham decretado para a França. Por muito tempo conheceu-se um advento de cinco e até mesmo de seis semanas, nas diversas dioceses. Parece que foi somente no decorrer dos séculos X e XI que a proposta romana se fixou no âmbito franco-galicano.
A regra de iniciar o Advento ao menos tardar em 27 de novembro e o mais tardar em 03 de dezembro foi mantida na reforma do missal. Sendo assim, o tempo do Advento inicia-se com as primeiras vésperas do domingo que cai no dia 30 de novembro ou no domingo que lhe fica mais próximo. Não se pode, contudo, suprimir mais o quarto domingo, quando este cai no dia 24 de dezembro.
Natal:
No princípio o Natal não indicava a época em que Cristo nasceu, mas sim, apenas salientava o período em que Quirino foi governador da Síria (Lc 2,2). A primeira referência explícita do Natal num calendário romano é de 354 dC (séc. IV).
A escolha do dia 25 de dezembro foi determinada por um festival pré-cristão em Roma, o do “Sol invencível”. Era o dia no qual o sol aparecia mais fraco. Foi o imperador Aureliano que introduziu em Roma o festival pagão do “soles invictus” (274 dC). A Igreja do século IV transforma tal festival para o “Natalis Christus” (aniversário de Cristo). A data é a mesma, mas o simbolismo e o conteúdo são totalmente diferentes.
Natal: Cristo, luz do mundo – diferente da idolatria, a luz por si mesma. Natal: festa da luz na qual se celebra a vitória da luz sobre as trevas, em caráter redentor, e assim a festa tem relação com a Páscoa, festa da redenção.
A celebração do Natal, com o seu claro ensinamento sobre a divindade de Cristo, ajudou a derrubar o arianismo. O Evangelho, tirado do prólogo de Lucas, coloca-nos diante do objeto essencial da festa, que é o mistério da Encarnação.
A ideia de uma celebração à meia noite foi adotada segundo o exemplo de Jerusalém. A peregrina Egéria descreve, no seu diário, uma celebração dessas realizadas na gruta de Belém. Ela era celebrada não no dia do Natal, mas sim na festa da Epifania. Os assistentes ali se reuniam para a missa da meia noite e, a seguir, de manhã cedo, retornavam a Jerusalém onde era celebrada uma segunda missa. Portanto, a missa na madrugada foi introduzida no século VI.
A ESPIRITUALIDADE DO ADVENTO E NATAL:
Advento: tempo de esperança.
O Advento é o tempo em que, junto com o Natal, se celebra a vinda de Cristo. Ele tem um caráter dual: “tempo de preparação para o Natal quando a primeira vinda do Filho de Deus aos homens é relembrada” e “tempo no qual este memorial conduz as mentes à segunda vinda de Cristo no fim dos tempos”.
Toda a liturgia do advento foi concebida para despertar esperança, anseio e alegre expectativa. Ela possui um caráter escatológico, sobretudo no primeiro período que vai do primeiro domingo do Advento até o dia 16 de dezembro. A preparação imediata para o Natal e o caráter de expectativa se dá no segundo período que vai do dia 17 de dezembro até a véspera de Natal.
O primeiro domingo do Advento marca o início de um novo ano litúrgico, considerando, entretanto, que “em sentido mais profundo, o ano eclesiástico não começa no ciclo do Natal e sim no Tempo Pascal”.
O período de preparação para o Natal e a manifestação do Senhor não têm caráter apenas litúrgico, mas também espiritual e moral, com ênfase na conversão e na vida nova.
A tônica do advento não é penitencial no mesmo sentido que na quaresma, visto que o tempo que prepara o Natal reveste-se de uma expectativa alegre e jubilosa. São João Batista é exemplo deste clima, ele é austero e ao mesmo tempo jubiloso, ele prega a conversão e se alegra ao reconhecer o Cristo. Isaías, que é lido nas missas do Advento, fala da paz, da alegria e da segurança da era messiânica (Is 2, 1-5).
São Bernardo distinguia três vindas de Cristo: a primeira no nascimento, a segunda na Parusia e a espiritual. Esta última ocorre no presente e nos conduz da primeira para a última vinda.
Todos os primeiros domingos do Advento (Anos A, B e C) tratam da segunda vinda de Cristo. A própria palavra advento designa tanto uma vinda que já ocorreu quanto uma vinda aguardada, daí o caráter de presença de Cristo e expectativa por sua segunda vinda. O Reino ainda não se concluiu; o mundo já foi redimido e continua sendo, pois a obra de Cristo continua: “Levantai a vossa cabeça e olhai, pois a vossa redenção se aproxima” (Lc 21, 28); “Vigiai e orai, pois não sabeis o dia nem a hora” (Mt 25,31).
Somos, no Advento, especialmente convidados a viver no pensamento da segunda vinda, que se traduz na prontidão para servir o próximo.
Maria no Advento.
O mês de dezembro é muito mais o mês de Maria que maio, liturgicamente falando. Ela tem influência em todo o Mistério da Encarnação, embora o seu papel na manifestação do plano de Deus esteja subordinado ao seu Filho.
Festas marianas ligadas ao Natal:
Anunciação: 25 de março – o sim de Maria contribui na salvação de toda a humanidade (LG 53,56). Embora se dê em março está estritamente ligada ao nascimento de Jesus.
Imaculada Conceição: 08 de dezembro – estritamente ligada ao espírito natalino. Deus prepara a morada para seu Filho no ventre de Maria.
Solenidade da Santa Mãe de Deus: 01 de janeiro – ao afirmar que Maria é Mãe de Deus, a Igreja afirma que Jesus verdadeiramente nasceu na carne e, ao mesmo tempo, que ele é o Filho de Deus, da mesma essência do Pai, isto é, de natureza divina.
Assunção: 15 de agosto – embora celebrada em agosto, está em relação com o mistério da maternidade divina e à festa da Imaculada Conceição. Jesus não deixaria sofrer a corrupção aquela que foi sua mãe e foi preservada do pecado original.
O Natal
“O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).
No centro do Natal está o grande mistério da encarnação: Deus se fez homem.
No Verbo a natureza humana e a divina estão intimamente unidas. Daí porque a liturgia do Natal é profundamente teológica, levando-nos a refletir sobre a Kénosis de Jesus (Fl 2,6-11).
A liturgia do Natal nos traz também a memória deste grande mistério através da palavra: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,11). O Natal é tempo da escuta do Verbo.
Alguns elementos importantes da liturgia do Natal são: o silêncio (Sb 18,14-15); o convite “vamos a Belém” (Lc 2,19); a bondade e o amor de Deus e o nascimento do Salvador (Lc 2,11).
É importante ressaltar que o Natal está intimamente ligado à Páscoa, pois o propósito da vinda de Cristo não é apenas o ensino e ser luz, mas redimir a humanidade e a Páscoa é a grande festa da redenção.
O Natal traz uma grande notícia: o Salvador nasceu e a humanização de Deus possibilitou a divinização do ser humano (2Pd 1,3-4).
A festa do Natal recebeu oitava, ou seja, ela se prolonga por oito dias após o dia 25 de dezembro. A festa se prolonga, na verdade, até o Batismo do Senhor (domingo após a Epifania).
Os santos comemorados no Natal
Santo Estevão (26/12): traz o realismo do martírio para os seguidores do Cristo. A fé implica seguimento. Nesta festa é lida a primeira carta de João, onde ele se apresenta como testemunha ocular do Salvador encarnado.
São João evangelista (27/12): uma das testemunhas oculares do Verbo encarnado (1Jo) que revela-nos a pré-existência do Filho de Deus (Jo 1) e convida-nos a segui-Lo como caminho, verdade e vida.
Os santos inocentes (28/12): há paralelo bíblico entre Mt 2,13-18 e Ex 1,8-22. Em ambos os casos há a descrição do nascimento de um salvador para o povo e a perseguição sofrida por ele.
A Sagrada Família: introduzida em 1893, retoma a ideia do Natal como retorno ao lar, à família, às origens. Jesus quis se encarnar no seio de uma família.
Santa Mãe de Deus (01/01): o término da oitava de Natal e o início do ano novo civil são consagrados à Virgem do Caminho que sempre acompanha seu povo. É uma festa mariana das mais antigas na liturgia romana.
Dia mundial da Paz (01/01): o papa Paulo VI fez do dia 01 de janeiro um dia de oração pela paz mundial. São Leão dizia: “o aniversário do Senhor é o aniversário da paz”.
A festa da Epifania (06 de janeiro)
Tem caráter semelhante ao do Natal. No Ocidente sempre se deu importância maior ao Natal, ao passo que no Oriente a importância é dada à Epifania.
Poderíamos dizer que o Natal é uma pequena Epifania, esta por sua vez, é um pequeno Natal. Ambas celebram o mistério da encarnação, a vinda e a manifestação de Cristo ao mundo, sob perspectivas diferentes.
O Natal frisa a vinda e a Epifania frisa a manifestação, esta última festa tem origem no Oriente (Egito, século IV).
A palavra grega epiphaneia designa manifestação. A concepção litúrgica desta palavra é a manifestação do poder divino em favor do homem.
O chamado das nações: as figuras dos três reis magos eram interpretadas por Santo Agostinho, Leão e São Gregório como símbolos do caráter universal da salvação (Ef 3,2-6: os gentios são também herdeiros).
A estrela guia: é tida como símbolo da fé que nos leva até o Cristo.
Outros temas da Epifania: o Batismo do Senhor, onde Jesus é chamado por Deus de Filho amado (Mt 3,17) e as Bodas de Cana, sinal da nova revelação: o Espírito Santo – “ela exprime a superabundância da vida, o vinho novo que Cristo distribui à sua noiva, a Igreja”.
A apresentação do Senhor (02 de fevereiro)
Embora se dê fora do ciclo natalino, esta festa constitui parte narrativa do Natal. É de origem oriental.
Significado: celebra uma chegada e um encontro. Simeão e Ana representam o povo escolhido e sua longa espera pelo Messias. Encontro de Cristo com sua Igreja, seu Povo.
A celebração inicia-se com a benção das velas (Cristo, sol da justiça e luz para iluminar as nações) e procissão.
Papel de Maria: há um forte simbolismo no gesto de Maria que entrega Jesus nos braços de Simeão (o povo); ela oferecia seu Filho para a obra da redenção (conexão com a oferenda no Gólgota).
A festa nos remete também para o futuro encontro na glória, na segunda vinda de Cristo.
Personagens e símbolos presentes no Advento e Natal.
O Advento é um tempo de esperança. A esperança no Reino que vem através do Senhor. Não deveria ser apenas quatro semanas que antecedem o Natal, mas uma espera constante de uma transformação que trará vida às pessoas! Dever-se-ia inculturar o Advento à nossa realidade e o símbolo maior desta espera é a própria Palavra de Deus que é fonte de esperança. Neste tempo costumamos ter alguns personagens e símbolos próprios:
João Batista: nos domingos do Advento encontramo-nos com a figura de João Batista, o último dos profetas do Antigo Testamento. O profeta que faz a ponte entre o Antigo e o Novo Testamento, o único que pode ver e apontar o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Ele é o precursor, isto é, aquele que veio preparar o caminho do Senhor.
Maria: um personagem importante do Advento e Natal é Maria. Sentimos sua presença em todo este tempo. Jesus é a figura central do Advento e Natal, mas sua mãe ocupa um lugar importante no plano salvífico do Pai para a humanidade. Dezembro deveria ser seu mês. A cena mais presente no Advento é a anunciação, o seu sim que possibilita a encarnação do Verbo.
Coroa do Advento: “Por que usar a coroa do Advento?” A coroa nos lembra a última homenagem que queremos prestar a uma pessoa querida, é a saudade que já sentimos, é a mistura da dor e da alegria... Mas para os antigos a coroa era também símbolo de vitória, de esperança. Por isso, quando alguém se formava para médico, juiz, advogado ou outra profissão, recebia uma coroa de louro.
Hoje é muito comum as comunidades no tempo do Advento usarem a coroa com ramos verdes, fitas e velas. O sentido mais bonito que querem dar é a “luz”, a “esperança” que se aproxima. Cada domingo, ou cada dia da novena, vamos acendendo uma vela, para dizer que estamos vigilantes: “de pé, vigilantes, lâmpadas nas mãos” a espera do Senhor que vem fazer sua morada no meio de nós.
Este simbolismo representa também o acendimento progressivo da esperança até o resplendor do Natal.
O lugar mais adequado para o Natal é o lar, mas pode ser incorporado à liturgia da Palavra em cada domingo do Advento. Pode-se, ao acender a vela, acrescentar uma oração ou uma benção.
Nas casas, as velas podem ser acesas na noite de sábado pelo chefe da família que pode abençoar a coroa e confiar o acendimento da vela ao filho ou filha mais novos. Na outra semana a vela pode ser acesa pela mãe, pode se repetir as orações antes das refeições.
A primeira vela nos fala de um mundo sombrio, antes de Cristo e representa a promessa do Redentor. Duas velas acesas representam a crescente esperança de salvação alimentada pelos profetas. Já tendo três velas acesas anuncia que o tempo do cumprimento da promessa está próximo. E as quatro velas acesas representam o próprio Cristo que é a Luz do mundo.
O Domingo Gaudete: o terceiro domingo do Advento era conhecido como o domingo gaudete (domingo da alegria). Tem o caráter jubiloso da liturgia. Diante da libertação que se aproxima não podemos ficar tristes: “Alegrai-vos no Senhor”.
Os Reis magos: este simbolismo lembra que a salvação é destinada a todos os povos. Com suas oferendas querem lembrar que o menino que eles adoram é de origem divina (incenso), que este menino possui a realeza (ouro), pois descende de Davi. Ao menino Deus que é rei deve vir o sofrimento, a dor (mirra).
A estrela guia: a estrela que guiou os magos a Belém, há quem a identifique com uma notável conjunção de planetas registrada nos anos 7 o 6 aC, ou até com o cometa Halley. A tradição cristã a interpreta como símbolo de fé.
A árvore de Natal: por ser sempre verde e decorada de luzes, ela é símbolo de Cristo, fonte de vida e luz do mundo. Pode-se salientar este simbolismo numa celebração especial na família (24/12) e tomar como base os textos de Is 44,23 e Os 35, 1-2.4-6.
O presépio: surge no século XIII com São Francisco de Assis. Resume os evangelhos da infância de Mateus (os magos) e de Lucas (os pastores). Tornou-se uma tradição popular familiar.
A novena de Natal: segundo o teólogo Marcelo de Barros, as novenas de Natal (preparação imediata) já se tornaram como que uma oitava antecipada onde se celebra o Natal. É importante valorizar esta prática de preparação para o Natal uma vez que ela permite a retomada de um clima comunitário nas celebrações realizadas nas casas. Elas permitem recuperar o cotidiano (a semana) e a casa (espaço “sagrado”) como lugar propício para se celebrar a presença de Cristo ou sua espera (no caso do Advento).
BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO:
BOROBIO, Dionísio (org.). A celebração na Igreja (3). Ritmos e tempos da celebração. São Paulo: Loyola 2000. (Especificamente o cap. 6, intitulado: Ano Litúrgico: Ciclo do Adevento – Natal – Epifania).
Pe. Edilson de Souza Silva
Diocese de São Miguel Paulista