O Domingo, DIA DO SENHOR!

Os evangelhos nos narram a ressurreição de Jesus, bem como as suas aparições aos discípulos sempre no “primeiro dia da semana”, isto é, no domingo (1Cor 16,2; Mc 16,2; Lc 24,1; Jo 20,1.19.26; At 20,7).
O Domingo, que se inicia no pôr do sol do Sábado, tornou-se para os cristãos o dia de fazer memória da ressurreição de Jesus, memória do mistério pascal de Cristo que acontece em nossas vidas. É, por excelência, o dia do encontro com o Ressuscitado. Foi neste dia que Jesus Ressuscitado apareceu aos seus, deu-lhes a paz e soprou sobre eles o Espírito (Jo 20,19-23). Foi nesse dia que o Espírito foi enviado sobre os discípulos e Maria, reunidos no Cenáculo (At 2,1ss; Lv 23,15-21), nesse dia os primeiros cristãos se reuniam para a “fração do Pão” (At 2,42) e nele S. João recebe a revelação do Senhor (Ap 1,10). Por tudo isso o Domingo se reveste de um caráter especial, é o dia da celebração semanal da Páscoa. Nele nós reafirmamos nossa inserção, nossa pertença, ao Corpo de Cristo, que é a Igreja e nossa participação no mistério pascal do Senhor
Na carta apostólica Dies Domini o Papa João Paulo II chama o Domingo de Dia do Senhor, Dia de Cristo, Dia da Igreja, Dia do homem, Dia dos Dias. Ele nos ajuda a colher toda a riqueza espiritual do Domingo e assim vivê-lo melhor. Aliás, o Documento de Aparecida retoma o tema ao n. 252 que ressalta a importância de se “viver segundo o domingo” e “promover a ‘pastoral do domingo’ e dar a ela ‘prioridade nos programas pastorais’”.
O Domingo, Dia do Senhor:
A primeira consideração feita pelo Papa diz respeito à celebração da obra do Criador. O Domingo é o dia da “Nova Criação” inaugurada por Cristo com sua ressurreição. Na obra da criação a participação do Filho de Deus é sublinhada em Jo 1,3: “Tudo começou a existir por meio dele, e sem Ele nada foi criado”, bem como em Cl 1,16: “Nele foram criadas todas as coisas, nos Céus e na Terra, as visíveis e as invisíveis... Tudo foi criado por Ele e para Ele”. Na plenitude dos tempos (Gl 4,4) o Verbo se encarnou. Ao realizar o seu mistério pascal, Cristo, ressuscitando como “primícias dos que morreram” (1Cor 15,20) inaugurou a nova criação que chegará à plenitude quando Ele voltar e “entregar o Reino a Deus Pai..., a fim de que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,24.28).
Quando no Gênesis se diz que Deus descansou da obra da criação no sétimo dia, isto é, no Sábado, está presente no plano de Deus a perspectiva cristocêntrica da criação. O Sábado, dia da Antiga Aliança, dia do repouso em Deus, se cumprirá plenamente no repouso sabático definitivo (Hb 4,9). Cristo é o nosso Sábado, e neste repouso somos chamados a entrar (Hb 4,3-16).
No descanso sabático de Deus, O qual trabalha sempre (Jo 5,7), Ele lança um olhar contemplativo sobre a obra “muito boa” que criou (Gn 1,31), um olhar no qual já se vislumbra a dinâmica “esponsal” que Deus quer estabelecer com sua obra, especialmente com o ser humano, imagem e semelhança Sua. Tal pacto de amor tornar-se-á pleno em Cristo: “será precisamente o Verbo encarnado, através do dom escatológico do Espírito Santo e da constituição da Igreja como seu corpo e sua esposa, que estenderá a oferta de misericórdia e a proposta do amor do Pai a toda a humanidade” (DD n. 11). O Sábado também estava relacionado com a libertação da escravidão do Egito (Dt 5,12-15), e será na Páscoa de Cristo que se dará a verdadeira e definitiva libertação.
O dia do Sábado era preparação do domingo, dia da Nova e Eterna Aliança, um dia abençoado por Deus e separado dos demais para ser “dia do Senhor”, dia de repouso, dia de 2 oração, dia de fazer memória das maravilhas de Deus, dia de celebração, dia de gratidão e louvor a Deus
Aos poucos se deu a passagem da observância do Sábado para o Domingo, passagem marcada pela consciência que, pouco a pouco, os primeiros cristãos foram tomando da natureza especial deste Dia, o Dia de Cristo
O Dia de Cristo:
O Domingo era chamado por Santo Agostinho de “sacramento da Páscoa”. A ressurreição do Senhor se deu no “primeiro dia depois do sábado” (Mc 16,2.9; Lc 24,1; Jo 20,1), neste mesmo dia Cristo manifestou-se aos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) e apareceu aos onze reunidos (Lc 24,36; Jo 20,19). Oito dias depois lhes apareceu novamente (Jo 20,26). O Pentecostes também aconteceu no primeiro dia da semana (Lc 24, 49; At 1,14; At 2,1). Foi o dia dos primeiro anúncio e dos primeiros batismos (At 2,41).
Pouco a pouco vai se dando, desde os tempos apostólicos, a caracterização do ritmo da vida dos discípulos a partir do domingo, “o primeiro dia depois do sábado” (1Cor 16,2; At 20, 7-12).
Ap 1,10 testemunha que o domingo era denominado “dia do Senhor” (Fl 2,11; At 2,36, 1Cor 12,3). O título Kyrios (Senhor), usado na Septuaginta para traduzir o nome de Deus, era dado a Cristo. O dia de domingo não coincidia com feriados nos calendários grego e romano, por isso, muito provavelmente, os cristãos se viam obrigados a reunirem-se antes do nascer do sol (Cf. DD n. 22).
Os Padres da Igreja começam a explicitar a distinção existente entre o Sábado judaico e o Domingo cristão, assim, por exemplo, Santo Inácio de Antioquia e Santo Agostinho (ver DD n. 23).
O Domingo tornou-se celebração da nova criação, nele inaugurada; o Oitavo dia, isto é, dia transcendente que remete ao “século futuro”, o dia sem fim, é também o dia de Cristo-luz, dia não mais do astro sol, mas do Sol verdadeiro que nos veio visitar (Lc 1,78-79; 2,32), dAquele que é Luz do mundo (Jo 9,5; 1,4-5.9); ele é dia do dom do Espírito, dia do “fogo” ( Jo 20,22-23; At 2,2-3); o Domingo é também o dia da fé, pois nele o Espírito Santo, memória viva da Igreja (Jo 14,26) renova a presença do Senhor ressuscitado no meio de nós, pela fé (Jo 20,27-28).
O Dia da Igreja:
A Assembléia Eucarística é a alma do Domingo. Disse o Senhor ressuscitado que permaneceria conosco até ao fim do mundo (Mt 28,20). Portanto, no domingo, reunidos com os irmãos, não apenas recordamos o Senhor ressuscitado, mas experimentamos a sua presença. Esta presença só é vivida e anunciada de modo adequado na Assembléia Eucarística, na Ekklesía. “Com efeito, todos os que receberam a graça do batismo, não foram salvos somente a título individual, mas enquanto membros do Corpo místico, que entraram a fazer parte do Povo de Deus” (DD n. 31). Jesus que veio para “trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos” (Jo 11,52) faz de nós “um só” nEle (Gl 3,28). Este é o modo de vida dos cristãos (At 2,42).
A Eucaristia, maior tesouro da Igreja, nos faz participar do mesmo pão e formarmos um só corpo (1Cor 10,17). “A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no centro da vida da Igreja” (DD n. 33). Os cristãos revivem neste dia a experiência dos apóstolos que vêem o Senhor ressuscitado (Jo 20,19). A relação entre Eucaristia e presença do Ressuscitado pode-se sentir em Lc 24, 30, no episódio dos discípulos de Emaús.
Na Eucaristia dominical, de modo especial quando a comunidade diocesana se reúne em torno do seu pastor, se dá uma epifania da Igreja. A Eucaristia dominical difere, em seu estatuto, daquela celebrada em outros dias da semana.
A assembléia dominical é lugar privilegiado da unidade, em torno do sacramento da unidade. As famílias, Igrejas domésticas, se nutrem da mesa da Palavra e do Pão da vida. A paróquia é, por isso mesmo, uma comunidade eucarística, em torno da qual se reúnem todas as pastorais, movimentos e associações de cunho evangelizador. Ali todos encontram o seu alimento e sua força.
Somos Povo de Deus peregrino rumo à pátria definitiva, e a Eucaristia é o alimento da jornada. O Dia do Senhor nos faz vislumbrar o grande Dia, o dia da vinda do Senhor que é conexo com o mistério da Igreja, a esposa do Senhor que anseia entrar nas núpcias eternas do Cordeiro (Ap 21,2).
O Domingo é, por isso, o dia da esperança, a Eucaristia nele celebrada é antecipação das “núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9) e revigora a esperança da vitória final na vinda de Cristo, quando o Reino será pleno.
Na Eucaristia somos alimentados pela mesa da Palavra e pelo Pão da Vida, que é o próprio Senhor, e nela se atualiza o sacrifício do Gólgota. Participamos de um banquete pascal em encontro fraterno e somos impelidos e fortalecidos para a missão.
Outro ponto importante que é ressaltado pelo papa João Paulo e também por Bento XVI é a questão do preceito dominical. Após lembrar o testemunho heróico de tantos mártires que desafiaram o Império Romano para participar à Eucaristia dominical, o papa recorda as disposições dadas por muitos Concílios e, por fim, pelo Catecismo, o qual afirma ser pecado grave faltar à obrigação da missa dominical (n. 2181). Recorda ainda o papa que a participação deve ser jubilosa e animada pelo canto, deve-se ter esmero em prepará-la, de modo que seja cativante e participada. Além da Santa Missa o domingo cristão deve ser santificado na vida familiar, nas relações sociais, nas horas de lazer, fazendo o fiel transparecer sempre a paz e a alegria do Ressuscitado; é bom que se promova momentos de oração, momentos de catequese, peregrinações a lugares santos, iniciativas comunitárias com as famílias etc. O papa lembra que as missas transmitidas pela TV não cumprem o preceito dominical. No caso dos doentes, que estão dispensados do preceito, aí sim, são instrumentos valiosos que ajudam a manter viva a chama da fé e o desejo da Eucaristia junto aos irmãos.
O Domingo, dia do homem:
O Domingo é um dia de alegria por excelência e o papa recorda isto citando um texto da Liturgia Maronita: “Bendito seja Aquele que elevou o grande dia do Domingo acima de todos os dias. Os céus e a terra, os anjos e os homens abandonam-se à alegria” (DD n. 55). O Evangelho testemunha esta alegria que se relaciona com o encontro com o Ressuscitado (Jo 20,20; Jo 16,20; 17,13). A alegria é um dos frutos do Espírito (Rm 14,17; Gl 5,22).
“A alegria não deve ser confundida com vãos sentimentos de saciedade e prazer, que inebriam a sensibilidade e a afetividade por breves momentos, mas depois deixam o coração na insatisfação e talvez mesmo na amargura. Do ponto de vista cristão, ela é algo de muito mais duradouro e consolador, conseguindo mesmo, como o comprovam os santos, resistir à noite escura da dor; de certo modo, é uma ‘virtude’ a ser cultivada” (DD n. 57).
A alegria cristã não se opõe à alegria humana, por isso o Domingo é dia de Festa, um dia para o crescimento humano e espiritual da pessoa – aqui se coloca a importância do repouso do trabalho como ato profético que denuncia o apego às coisas materiais e nos elevam para as espirituais, permite ao homem refazer-se e nutrir-se espiritualmente e humanamente. Importante também é a prática da solidariedade fraterna para com os mais pobres e os 4 sofredores de todo tipo. No domingo a família, Igreja doméstica, encontra oportunidade para o cultivo dos laços de comunhão e afeto.
Bento XVI, na exortação “A Eucaristia, sacramento da Caridade”, n. 74, afirma que “o trabalho foi feito para o homem e não o homem para o trabalho” e que “é no dia consagrado a Deus que o homem compreende o sentido da sua existência e também do trabalho”.
O Domingo, dia dos dias:
O Domingo é a festa primordial e reveladora do sentido do tempo. “No cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental. Dentro da sua dimensão, foi criado o mundo; no seu âmbito se desenrola a história da salvação, que tem o seu ponto culminante na ‘plenitude do tempo’ da Encarnação e a sua meta no regresso glorioso do Filho de Deus no fim dos tempos. Em Jesus Cristo, Verbo encarnado, o tempo torna-se uma dimensão de Deus, que em si mesmo é eterno” (DD n. 74).
Cristo, como nos lembra a liturgia da Vigília Pascal, é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim de todas as coisas, Ele é o Senhor do tempo. Por isso mesmo, o Domingo, dia da páscoa semanal que nos recorda a Ressurreição de Jesus, é o dia revelador do sentido do tempo, é o dia dos dias! Ele orienta a caminhada dos fiéis e de toda a Igreja, através dos tempos, para a meta final da segunda vinda do Senhor na Parusia. No ciclo semanal é o Domingo o dia especial, no ciclo anual é o Domingo de Páscoa o dia dos dias. “A celebração mais solene depois da Páscoa e do Pentecostes é, sem dúvida, o Natal do Senhor, quando os cristãos meditam o mistério da Encarnação e contemplam o Verbo de Deus que se digna assumir a nossa humanidade” (DD n. 77). Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente.
Viver o preceito dominical:
Bento XVI, na exortação “A Eucaristia, sacramento da Caridade” (Sacramentum Caritatis) afirma ainda que é importante viver a Eucaristia e o preceito dominical que a ela se liga. Usando como ponto de partida o texto de Jo 6,57, onde Jesus afirma: “Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim”, ele recorda-nos estes pontos importantes:
1. O culto espiritual (Rm 12,1): a Eucaristia é princípio de vida nova em nós e forma de existência cristã, pois “nós... acabamos misteriosamente mudados por Ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; ‘atrai-nos para dentro de Si’. (...) a Eucaristia, enquanto sacrifício de Cristo, é também sacrifício da Igreja e, consequentemente, dos fiéis” (n.70). Uma nova maneira de viver todas as dimensões e circunstâncias da existência é o culto que agrada a Deus (1Cor 10,31; Rm 8,29ss; Rm 12,2).
2. O Domingo como dia em que o cristão reencontra a forma eucarística de viver, ou também, o viver segundo o domingo, o que significa: “viver consciente da libertação trazida por Cristo e realizar a própria existência como oferta de si mesmo a Deus, para que a sua vitória se manifeste plenamente a todos os homens através de uma conduta intimamente renovada” (n. 72).
3. Viver o preceito dominical pelo fato de que “a vida de fé corre perigo quando se deixa de sentir o desejo de participar na celebração eucarística em que se faz memória da vitória pascal” (n. 73). Recorda também que “é o domingo em si mesmo que merece ser santificado, para que não acabe por ficar um dia ‘vazio de Deus’” (n. 73).
4. A participação na comunidade dos fiéis pelo fato de que a existência redimida tem uma dimensão comunitária. “A comunhão tem sempre e inseparavelmente uma conotação vertical e uma horizontal: comunhão com Deus e comunhão com os irmãos e irmãs” (n. 76). Somos membros de Cristo e, consequentemente, membros uns dos outros (1Cor 12,27) e esta comunhão “exige ter expressão sensível na vida de nossas comunidades” (n. 76).
SIGLAS:
DD = Carta Apostólica Dies Domini de João Paulo II.
BIBLIOGRAFIA:
BUST, IONE (Org.). Domingo, dia do Senhor. Paulinas, São Paulo 2004.
JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Dies Domini sobre a santificação do Domingo. Paulinas, São Paulo 1998.
BENTO XVI. Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis. Jornal L’Osservatore Romano, n. 11, 17 de Março de 2007 (Edição em língua portuguesa)
Pe. Edilson de Souza Silva
Diocese de São Miguel Paulista