Maria na religiosidade popular

(Texto esquemático distribuído no encontro de formação paroquial de 10/05/2017)
I. O QUE SE ENTENDE POR RELIGIOSIDADE POPULAR?
(cf. Frei Hermínio B. de OLIVEIRA. Formação histórica da religiosidade popular no Nordeste. São Paulo: Paulinas 1985).
1. O conceito “popular”:
Popular x erudito; Popular x burguês; Popular x científico, refinado; Cultura popular x cultura erudita
2. Religião popular: romarias, promessas, votos, rezas, festas de santos padroeiros, devoção às almas do purgatório, bênçãos, sacramentais – em estreita ligação com as tradições culturais do povo (cultura marcada pela influência indígena, portuguesa e negra, e o papel dos jesuítas).
3. Os elementos folclóricos presentes nas expressões da religiosidade popular.
4. A influência das santas missões jesuítas, dos frades capuchinhos e dos dominicanos e, por fim, dos redentoristas ao longo da história da evangelização no Brasil, especialmente no Nordeste.
5. Religião popular como maneira de guardar o que é antigo (valores que as novidades tendem a esquecer ou negligenciar).
Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI): “A religiosidade popular significa que a fé cria raízes no coração dos diversos povos, entrando a fazer parte do mundo da vida quotidiana. A religiosidade popular é a primeira e fundamental forma de ‘inculturação’ da fé, que deve continuamente deixar-se orientar pelas indicações da liturgia, mas que, por sua vez, a fecunda a partir do coração” (p. 48) [CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A Mensagem de Fátima. São Paulo: Paulinas, 20053].
II. O QUE O DOCUMENTO DE APARECIDA DIZ SOBRE RELIGIOSIDADE POPULAR?
Nos números 258 a 265: ressalta os aspectos positivos da piedade popular como aquilo que foi semeado pelo Espírito em nossos povos.
É verdade que a fé que se encarnou na cultura pode ser aprofundada e penetrar cada vez mais na forma de viver de nossos povos. Mas isso só pode acontecer se valorizarmos positivamente o que o Espírito Santo já semeou. A piedade popular é “imprescindível ponto de partida para conseguir que a fé do povo amadureça e se faça mais fecunda”. Por isso, o discípulo missionário precisa ser “sensível a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis”. Quando afirmamos que é necessário evangelizá-la ou purificá-la, não queremos dizer que esteja privada de riqueza evangélica. Simplesmente desejamos que todos os membros do povo fiel, reconhecendo o testemunho de Maria e também dos santos, procurem imitá-los cada dia mais» (DAp 262).
Logo após, nos números 266 a 272, o Documento de Aparecida fala-nos de Maria e nos números 273 a 275 fala-nos dos apóstolos e dos santos.
III. MARIA NA RELIGIOSIDADE POPULAR:
1. Maria nos Evangelhos, Atos e Apocalipse: serva obediente do Senhor (cf. Lc 1, 26-38); Mãe (cf. Jo 19,25-27); Intercessora (Bodas de Caná – cf. Jo 2,1-5); Discípula (cf. Lc 8,21); Orante com a Igreja (cf. At 1,14); “Apóstola” em Pentecostes (cf. At 2); Vencedora (cf. Ap 12,1ss).
Frei Carlos Mesters: 3 retratos de Maria na Bíblia: Maria era de Deus (ouviu, creu e viveu a Palavra na mais estreita fidelidade, da Conceição à Assunção), Maria era do povo (sempre atenciosa e preocupada com os demais: Isabel, Caná etc.) e Maria reza com os amigos (Magnificat – Lc 1,46-55 e At. 1,14) [cf. Frei Carlos MESTERS. Maria, a mãe de Jesus. Petrópolis: Vozes 1983].
2. Já nos primeiros séculos: representação nas catacumbas; os Evangelhos apócrifos (Evangelho do pseudo-Tomé, Trânsito de Maria, Livro do Descanso, Proto-evangelho de Tiago); a oração dirigida à Maria.
A oração conhecida como "À vossa proteção", cujo título em latim é Sub tuum praesidium, é a mais antiga oração a Nossa Senhora de que se tem notícia. Encontrada em 1927, num fragmento de papiro, no Egito, remonta ao século III. Ela possui uma excepcional importância histórica pela clara referência ao tempo em que os cristãos eram perseguidos por praticarem a fé católica. Tal afirmação fica patente no trecho seguinte, o qual demonstra que aqueles primeiros cristãos passavam por muitas provações "Livrai-nos de todos os perigos". Há nela, uma particular importância teológica por recorrer à intercessão de Maria invocada com o título de Theotókos que em grego significa Mãe de Deus. Este título é o mais importante e belo que, já no século II, era dirigido a Maria. Ele foi objeto de definição do Concílio de Éfeso em 431. O texto primitivo do qual derivam as diversas variações litúrgicas (copta, grega, ambrosiana e romana) é o seguinte: "Sob a asa da vossa misericórdia, nós nos refugiamos, Theotókos; não recusai os nossos pedidos na necessidade e salva-nos do perigo: somente pura, somente bendita"”.
(cf. http://nssc3.misacor.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=58:vossprotec&catid =36:oracoes&Itemid=50)
3. As peregrinações aos santuários marianos: sentido teológico e pastoral (Cf. Documento de Aparecida, 259):
“Entre as expressões dessa espiritualidade contam-se: as festas patronais, as novenas, os rosários e via-sacras, as procissões, as danças e os cânticos do folclore religioso, o carinho aos santos e aos anjos, as promessas, as orações em família. Destacamos as peregrinações onde é possível reconhecer o Povo de Deus a caminho. Aí o cristão celebra a alegria de se sentir imerso em meio a tantos irmãos, caminhando juntos para Deus que os espera. O próprio Cristo se faz peregrino e caminha ressuscitado entre os pobres. A decisão de caminhar em direção ao santuário já é uma confissão de fé, o caminhar é um verdadeiro canto de esperança e a chegada é um encontro de amor. O olhar do peregrino se deposita sobre uma imagem que simboliza a ternura e a proximidade de Deus. O amor se detém, contempla o mistério, desfruta dele em silêncio. Também se comove, derramando todo o peso de sua dor e de seus sonhos. A súplica sincera, que flui confiante, é a melhor expressão de um coração que renunciou à auto-suficiência, reconhecendo que sozinho nada pode. Um breve instante condensa uma viva experiência espiritual”.
4. Maria, figura materna.
5. Maria de muitos títulos, mas uma só mãe: são diversos pontos de partida que devem ter um só ponto de chegada: o que significa o mistério da devoção a Maria na Igreja – levar-nos a aprofundar a compreensão e vivência do mistério de Cristo procurando viver o exemplo de Maria (p. ex. a devoção a Nossa Senhora das Dores – Maria associada a Cristo no mistério da cruz) (Cf. GONZÁLES, C.I., S.I. Maria, evangelizada y evangelizadora – Mariología. Bogotá: CELAM, 1989, p. 386-387).
6. As aparições de Nossa Senhora:
Discernimento, sentido, objetivo (ver: CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. A Mensagem de Fátima. São Paulo: Paulinas, 20053. Obs.: As páginas citadas neste item 06, sobre as aparições, são todas deste documento citado).
Distinção entre Revelação pública e revelações privadas:
Revelação pública (Bíblia): objeto de fé divina e destinada à humanidade inteira.
Revelações privadas: objeto de fé humana (Aparições, locuções interiores, carisma da profecia etc.).
As revelações privadas podem dar-se de três formas: como visão pelos sentidos (percepção extra corpórea), percepção interior ou visão espiritual (em linguagem teológica: visio sensibilis, imaginativa, intellectualis) (p. 50).
A revelação de Deus foi completa em Jesus Cristo, mas sua compreensão pode crescer com o tempo (extensão completa, compreensão em progresso – cf. Jo 16, 12-14: “Ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Espírito da Verdade, ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará de si mesmo [...] Ele glorificar-me-á, porque há de receber do que é meu, para vo-lo anunciar”) (p. 44-45).
Três caminhos essenciais pelos quais o Espírito guia a Igreja:
• Meditação e estudo da Palavra pelos fiéis;
• Íntima inteligência que os fiéis experimentam das coisas espirituais;
• Pregação do Magistério que tem o carisma da verdade (cf. p. 45).
Para que haja aprovação eclesial de uma revelação privada, levam-se em consideração três elementos:
• Que a mensagem não contenha nada contrário à fé e aos bons costumes;
• Seja lícito torná-la pública
• Que os fiéis fiquem autorizados a aderirem a ela de forma prudente (cf. p. 47).
Critério fundamental para medir a verdade e o valor de uma revelação privada é sua orientação para Cristo (cf. p. 47). Ao aplicar estes critérios a Igreja leva em consideração o que diz Paulo na 1Ts 5,19-21: “Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Examinai tudo e retende o que for bom” (p. 48).
Uma revelação privada pode realçar novos aspectos referentes ao Evangelho e à fé, dar origem a formas novas de piedade ou aprofundar e divulgar formas antigas, além de influenciar, às vezes, na própria Liturgia (Terço, Corpus Christi, Sagrado Coração de Jesus etc.).
7. O terço e o Rosário na vida da Igreja e do povo:
a) As origens do Rosário:
“A oração do Santo Rosário surge aproximadamente no ano 800 à sombra dos mosteiros, como Saltério dos leigos. Dado que os monges rezavam os salmos (150), os leigos, que em sua maioria não sabiam ler, aprenderam a rezar 150 Pai nossos. Com o passar do tempo, se formaram outros três saltérios com 150 Ave Marias, 150 louvores em honra a Jesus e 150 louvores em honra a Maria. No ano 1365 fez-se uma combinação dos quatro saltérios, dividindo as 150 Ave Marias em 15 dezenas e colocando um Pai nosso no início de cada uma delas. Em 1500 ficou estabelecido, para cada dezena a meditação de um episódio da vida de Jesus ou Maria, e assim surgiu o Rosário de quinze mistérios. A palavra Rosário significa ‘Coroa de Rosas’. A Virgem Maria revelou a muitas pessoas que cada vez que rezam uma Ave Maria lhe é entregue uma rosa e por cada Rosário completo lhe é entregue uma coroa de rosas. A rosa é a rainha das flores, sendo assim o Rosário a rosa de todas as devoções e, portanto, a mais importante”. (Fonte: http://blog.cancaonova.com/fatimahoje/como-rezar-o-terco/)
b) A divulgação do Rosário por Santo Domingos.
8. Necessidade de purificação da piedade popular.
Critérios (cf. GONZÁLES, C.I., S.I., Maria, evangelizada y evangelizadora – Mariología. Bogotá: CELAM, 1989):
- Litúrgico: harmonizar a piedade privada e a oração litúrgica da Igreja de acordo com as indicações do Concílio Vaticano II e critérios litúrgicos sérios (cf. p. 384).
- O objetivo da oração privada: a oração privada deve corresponder à Litúrgica, cuja natureza é a celebração do mistério salvífico de Cristo na Igreja de modo a nos conduzir à Trindade. A piedade mariana deve, por e com Maria, visar a celebração do mistério de Cristo que nela se realiza (cf. p. 385).
- Unidade íntima entre oração e agir cristão: uma devoção mariana legítima se manifesta num compromisso apostólico (cf. p. 385-386).
- Os títulos marianos: são diversos pontos de partida que devem ter um só ponto de chegada: o que significa o mistério da devoção a Maria na Igreja – levar-nos a aprofundar a compreensão e vivência do mistério de Cristo procurando viver o exemplo de Maria (p. ex. a devoção a Nossa Senhora das Dores – Maria associada a Cristo no mistério da cruz) (cf. p. 386-387).