A “Ave Maria”

Quando se fala da Ave Maria, logo vem à mente a invocação mais conhecida que os católicos fazem à Virgem Maria, enquanto mãe de Jesus, Filho se Deus encarnado no seio de uma mulher (Gl 4,4).
1. Estudo da Ave Maria
A Ave-Maria, a oração mais conhecida depois do Pai nosso, é composta de duas partes: a primeira é de louvor, a segunda é de pedidos.
A primeira parte da Ave Maria, contém duas saudações e dois louvores:
- «Ave, Maria (alegrai-vos, Maria)» é a saudação do anjo Gabriel que abre a oração. É o próprio Deus que, por intermédio do seu anjo, saúda Maria. A nossa oração ousa retomar a saudação a Maria, alegrando-nos com a alegria que Deus n'Ela encontra. Se o Anjo saúda Maria e a reconhece como cheia de graça (agraciada), o que tem de errado nós também a saudarmos assim? Se o céu (o Anjo) reconhece em Maria a agraciada, a escolhida de Deus, porque nós o podemos? Maria é uma criatura como todos nós, é claro, mas é uma criatura sobre a qual se pousou, de um modo todo especial, o olhar de Deus que a escolheu e a destinou a ser a mãe do seu Filho.
- «Cheia de graça, o Senhor é convosco». As duas palavras da saudação do anjo esclarecem-se mutuamente. Maria é cheia de graça, porque o Senhor está com Ela. Por isso o Anjo a saúda. A graça de que Ela é cumulada é a presença d'Aquele que é a fonte de toda a graça, Jesus. Maria é convidada a se unir para sempre a Jesus, o Filho de Deus, acolhendo-o no seu ventre. Isso a torna “cheia de graça” e digna de toda admiração. E por isso que todas as gerações a chamarão de bemaventurada, como ela mesma reconhece no hino que eleva com gratidão ao seu Deus (Lc 1, 48).
- «Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus», é a saudação de Isabel, a primeira, ao longo das gerações, a declarar Maria bem-aventurada: «Feliz d'Aquela que acreditou...» (Lc 1, 45); Maria é «bendita entre as mulheres», porque acreditou no cumprimento da Palavra do Senhor. Abraão, pela sua fé, tornou-se uma bênção «para todas as nações da terra» (Gn 12, 3). Pela sua fé, Maria tornou-se a mãe dos crentes, pois graças a Ela, todas as nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: Jesus, «o fruto bendito do vosso ventre». “Bendita” vem de bem-dizer (bene-dicere), dizem bem, falar bem, louvar, admirar, reconhecer o privilégio de ter sido escolhida por Deus como mãe do seu Filho, privilégio único entre todas as mulheres da terra e, por isso, digno de toda veneração.
Desde o consentimento dado na Anunciação e mantido sem hesitação ao pé da cruz, a maternidade de Maria estende-se aos irmãos e irmãs do seu Filho, ainda peregrinos e que caminham entre perigos e angústias. Jesus, o único mediador, é o caminho da nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele: Ela «mostra o caminho», é «o sinal» do caminho: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 2,5).
A surpresa e admiração de Isabel são grandes: «De onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?". (Lc 1, 43). Esta saudação não é nova na Bíblia. Estas mesmas palavras falou Davi ao receber em sua casa a Arca da Aliança (2Sam 6,9;7,18). Maria se torna assim a verdadeira Arca, o Santuário, a morada do Senhor, como é invocada nas Ladainhas. Assim como na Arca tinha os sinais da intervenção de Deus em favor de seu povo (tábuas dos dez Mandamentos, a vara com a qual Moisés abriu o mar vermelho para a passagem dos hebreus do Egito para a libertação da terra prometida), em Maria, como num tabernáculo, está o próprio Filho de Deus, o Salvador. Esta primeira parte da Ave Maria é a junção da saudação do Anjo com a saudação de Isabel, assim como as encontramos em Lc 1,26-45, portanto é totalmente bíblica, a Igreja não inventou esta saudação.
A segunda parte: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém”, não é explicita na Bíblia, deve se usar a razão e refletir sobre a própria Bíblia para entender.
- “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores”: a primeira notícia que se tem desta invocação é bastante antiga. No encerramento do Concílio de Éfeso (431), onde Maria foi declarada Mãe de Deus (Theotokos), o povo reagiu gritando: “Viva Maria, mãe de Deus! Santa Maria, Mãe de Deus, roga por nós pecadores”, e organizou uma grande procissão com tochas pelas ruas da cidade. Santa Maria, a santidade de Maria é incontestável: todo aquele que crê nas promessas de Deus, e aceita suas vontades, é santo! Quanto mais Aquela que aceitou trazer o Salvador em seu seio, como dom do Pai à humanidade (Lc 1, 35). Ela nasceu imaculada (sem macula de pecado) e viveu uma vida imaculada. Por isso, Santo Agostinho pode afirmar: “Não se pode nem tocar na palavra pecado em se tratando de Maria”.
Mãe de Deus, Jesus é Filho de Deus que toma corpo (se encarna) em Jesus de Nazaré que nasce de Maria. Ora, a divindade e a humanidade de Jesus, são dois elementos que estão unidos na mesma pessoa: Jesus. Por isso, Maria é Mãe do Filho de Deus e Mãe de seu Filho. Isso não é no sentido que Maria deu origem a Jesus-Deus (Deus é eterno, não tem início), é mãe enquanto o Filho de Deus se torna homem. Para os protestantes Maria é somente Mãe de Jesus de Nazaré homem, mas na Encarnação, o Filho de Deus se torna nosso irmão, pois assume nossa humanidade: humano como nós humanos, e Ele não se envergonha de nos chamar de irmãos (Hb 2,11). Ele é homem e Deus ao mesmo tempo (Jo 5,20-21), porque se fez carne através de Maria, mas nunca deixou de ser Deus. Ainda nas palavras de Santa Isabel, constatamos sua maternidade divina "mãe de meu Senhor" (Lc 1, 43), Jesus, Senhor porque é Deus. Em Jesus de Nazaré está um só e o mesmo verdadeiro Filho de Deus e o verdadeiro Filho do homem. Maria é Mãe do Deushomem: Jesus Deus, Jesus homem uma mesma e única Pessoa.
- Rogai por nós (aqui entra a questão da intercessão dos Santos) Maria ora por nós como orou por si própria: «Faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Confiando-nos à sua oração, pedimos que, como Ela, sejamos sempre dispostos a fazer à vontade de Deus, como Jesus nos pediu e rezamos no Pai nosso. Pedimos a Ela, assim como pedimos aos Santos, porque está em comunhão com Deus, do qual nem a morte nos separa (Rm 8,38). Ela pode interceder por nós, assim como nós intercedemos uns pelos outros. E podemos interceder junto com Cristo, pois ela intercede junto com o seu Corpo que é a Igreja.
- Agora e na hora de nossa morte. Agora: na nossa peregrinação terrestre, na labuta e combate de cada dia, para podermos cumprir a vontade do Pai e nos tornarmos santos porque Ele nos quer santos (Lv 19,2). Na hora de nossa morte: na hora do último combate, como Ela esteve presente na morte de José e de seu Filho Jesus na cruz, esteja também ao nosso lado na hora da nossa morte, quando a porta que nos conduz a Deus se abrirá. Neste supremo momento da nossa vida, Maria estará torcendo e orando por nós, para estarmos com ela no paraíso de Deus.
2. A história da Ave Maria.
A oração da Ave-Maria traz em si a marca de muitos séculos e de muitas mãos que a compuseram um pouco por vez. A Igreja ousa repetir o texto evangélico, completando-o ou modificando-o. A figura de Maria aparece nas catacumbas de Priscila (fim do século II) e na igreja de Santa Maria Antiqua (ambas em Roma). A saudação Ave Maria se encontra gravada no muro da casa de Maria em Nazaré mostram como (3º século) e vem repetida em numerosas homilias e pregações da antiguidade. Mas, somente em 1568 a oração foi introduzida na Igreja Universal.
Num documento do século XIII, conservado na Biblioteca Nacional de Florenza, lê-se esta oração: “Ave dulcíssima e imaculada Virgem Maria, cheia de Graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, mãe da graça e da misericórdia, rogai por nós agora e na hora da morte. Amém"
A Ave Maria, como é rezada hoje, encontra-se pela primeira vez no século XV, num poema do frade Gasparini Borro (+ 1498). A segunda parte da Ave Maria foi sempre rezada em caráter privado pelos fiéis. Mas, os Estatutos dos Trinitários da Província de Castilha (Espanha) de 1496 pedem que os religiosos não sacerdotes rezem o Pai Nosso e a Ave Maria em lugar do Ofício. Em 1510 se prescreve que os religiosos trinitários não sacerdotes, que não rezam o Ofício divino, rezem 50 Pai Nosso e 50 Ave Maria para os religiosos defuntos. Segundo os estudos feitos antes do século XVI nãos e encontra a segunda parte da Ave Maria em nenhum livro de oração. A primeira vez aparece no Breviario (livro oficial de orações) dos Trinitários publicado em Paris no ano 1514. Em seguida foi introduzida no Breviario dos cartunchos (1521) e dos Franciscanos (1525).
Finalmente, em 1568, o Papa São Pio V promulgou o novo Breviário Romano, no qual figura a fórmula do referido Venerável Gasparini Borro, sendo estabelecida solenemente sua recitação no início do Ofício Divino, após a recitação do Pai Nosso e prescrita para todos os sacerdotes. Depois de um século a mencionada fórmula, sancionada pelo Papa, difundiu-se, de fato, em toda a Igreja Universal.
Sobre a oração temos duas questões importantes a serem esclarecidas.
A primeira pergunta é: Porque rezar e pedir a Deus? Ele já não conhece as nossas necessidades (Mt 6,6, 7,7-8; Mc 11,24; 1Ts 517)? Que sentido tem “insistir” com Deus?
A luta contra o mal é difícil e longa, exige paciência e resistência. É assim: há uma luta que deve continuar a cada dia; Deus é o nosso aliado, a fé n’Ele é a nossa força, e a oração é a expressão da fé. Deus nos pede que rezemos sempre, mas não para convencê-lo com a força das palavras (1Rs 18,20ss; Mt 6,7). Ele sabe melhor do que nós do que precisamos! A oração perseverante é ao invés a expressão de fé em um Deus que nos chama a lutar com ele, cada dia, cada momento, para vencer o mal com o bem. Deus sabe do que precisamos, mas nem por isso fica distribuindo dons como uma velha tia faz com os sobrinhos... A mulher sabe que o marido gosta do beijo, mas outra coisa é quando o marido pede o beijo... Expressar o desejo para Deus é expressar nossa fé. Expressar nosso desejo é abrir o coração à confiança e dispor-se a cumprir sua vontade: “seja feita a tua vontade”. A oração nos faz alinhar coma a vontade de Deus, pois Ele, como diz são Paulo “É Deus que efetua em vós tanto o querer quanto o fazer de acordo com a boa vontade dele” (Fl 2,13).
Pedir significa também tem consciência da nossa fraqueza, que somos limitados, de que não somos autossuficientes, não nos bastamos a nós mesmos. Oramos porque tornamo-nos mais sensíveis às coisas de Deus. Oramos porque queremos nos tornar mais íntimos do Pai. A oração não é para mudarmos a mente de Deus, mas para olhar-nos com os olhos de Deus.
A segunda pergunta é: A Bíblia não diz que Jesus é o único Mediador (1Tm 2,5), o único que faz a mediação, a ponte, entre Deus e nós; o único que pode pedir em nosso favor e em nosso lugar? Será que Deus tem o coração duro e precisa de alguém que o convença das nossas necessidades?
Cristo é o único Mediador, sim, mas não está sozinho: ele tem um Corpo e este Corpo somos nós, a Igreja: Ele intercede por nós e conosco. É Cristo total que intercede junto do Pai. Vejamos:
- Rm 8, 38: “Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes”.
Se estamos unidos a Cristo na terra, o seremos também depois da nossa morte, pois, “nem a morte nos separará do amor de Cristo”. Se não fosse assim, deveríamos exclamar como São Paulo: “É vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1Cor 15,2). - Ap 6,9-10 fala da atividade dos mortos, eles rezam diante do Cordeiro. Atenção, eles rezam, - Ap 7, 23 os mortos prestam culto a Deus, rezam e intercedem; estão vivos e em comunhão com Deus e conosco! Se nós rezamos uns pelos outros (intercessão) porque estamos unidos ao Cristo pelo Batismo, porque os santos não podem interceder por nós se eles estão unidos ao Cristo de um modo todo especial, pois já estão em comunhão com Deus. Os protestantes dizem que nã há oração pelos mortos, e que somente Jesus pode interceder, mas como é que eles rezam uns pelos outros, isso não é interceder? Eles pegam algumas citações isoladas do resto da Biblia, como: “Os mortos não louvam ao Senhor, nem os que descem a sepultura” (Sl 115,17), ou “Porque não pode louvar-te a sepultura, nem a morte glorificar-te; nem esperarão em tua verdade os que descem à cova” (Is 38,18). Em 2Mac 15,12-15 lemos que Judas viu em sonho "Onias, sumo sacerdote que orava de mãos estendidas por todo o povo judaico“ E Onias apresenta uma outra personagem, Jeremias que reza: "Este é amigo de seus irmãos e do povo de Israel; é Jeremias, profeta de Deus, que ora muito pelo povo e por toda a cidade santa". Ora, os dois, Onias e Jeremias, eram já falecidos! A Bíblia nos diz que os falecidos, os santos rezam e intercedem por nós. Por outro lado, nós podemos rezar e interceder pelos falecidos, para que seus pecados sejam perdoados e possam assim comparecer diante da face de Deus. A Bíblia é clara a este respeito: “rezar pelos mortos ... para que seus pecados sejam perdoados, é uma coisa bela e santa”, e um “pensamento santo e piedoso”, pois o fazemos em vista da ressurreição (2Mc 12,42-45). A Igreja crê na comunhão dos Santos, como rezamos no Creio, os santos aqui na terra e os do céu.
A intercessão de Maria
A partir da singular cooperação de Maria com a ação do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à santa Mãe de Deus. Se podemos pedir a intercessão dos Santos porque estão em comunhão com Deus, ainda mais podemos pedir a intercessão de Maria, tão próxima de Deus, pois gerou o próprio Filho de Deus. O evangelho de João nos diz que Maria intercedeu pelos noivos junto de Jesus (Jo 2,3-5).
Autor: Pe. Frei Vicente Frisullo, O.SS.T.
Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Vila Curuçá.
Diocese de São Miguel Paulista.